Carta do paraíso.

Que bom foi receber esta vossa mensagem aqui tão longe. Vocês estão óptimos. Como os putos estão grandes desde o Natal. Como vez o tempo está óptimo. Estou super contente de me ter decidido ao fim deste anos todos. O tempo passa calmamente, e os dias são uma sucessão de prazeres e de encantos. Os azuis do mar e do céu inspiram-me e deixam-me absolutamente sereno. Desde que cheguei nunca mais vesti um par de calças. Os chinelos já são um traje de luxo! O investimento foi, como sabes, pesado mas tudo está a compensar e a correr as mil maravilhas. A casa está quase terminada. Este tem sido por hora o nosso grande objectivo. Claro que não me esqueci da tal varanda, disposta para o por do sol, como em tempos te contei. Em breve está pronta para longos pequenos-almoços e longas horas de prazer. Resolvemos afinal por 3 quartos, todos com vista para o mar, contamos receber muitas visitas. No entretanto já contratámos a Juanita que nos ajuda na lida da casa e a manter tudo isto em ordem: compras, roupas, etc. Porque isto das ilhas sempre também dá um certo trabalho. É simpática e eficaz. O marido dela “et sus muchachus” é que nos estão a construir a casa. Na verdade não tivemos outra escolha, pois só eles o fazem por aqui. A casa terá pouco tijolo, será sobre tudo madeira e outros materiais que a ilha dispõe e por isso também mais baratos. Eles dizem que resistirão até a furacões. Eu duvido. Mas bom, temos que confiar em quem sabe. (…) Tive de parar de escrever por uns minutos, pois está um calor sufocante e fui dar um mergulho. Temos o mar a uns escassos metros de casa. É prático. Calcula que quando regressei aqui a esta minha mesa de trabalho ainda improvisada, a Juanita tinha-me acabado de preparar um magnífico suco de papaia com lima e três gotas de gin (já sabes como gosto de gin e do sabor da lima!) mas com este calor!!! Meu Deus. À tarde vamos para o mar, desfrutar deste azul-turquesa inigualável. Daremos apenas uma pequena volta para testar uma embarcação simples que compramos sobretudo para não depender de terceiros no que toca a pequenos passeios. Compreendes. Viste a cabana da praia? Corresponde à parte de trás da ilha. Foi a primeira construção que fizemos, para não estar-mos tão expostos ao sol. De tarde a praia é melhor aqui. Assim podemos dormir longas sestas sem correr riscos. Uma referência as pessoas da aldeia. São boa gente e acolhedora. Na verdade são meia dúzia por assim dizer e ao fim destas semanas já os conheço quase a todos e todos já nos conhecem também. Acho que nos vamos dar bem aqui. Por ora, não sinto falta de nada, enche-me o coração toda esta paisagem e a concretização deste pequeno grande sonho. Conto convosco para não deixarem a saudade crescer. Quero eu dizer com isto, que em breve conto com vossa visita. São apenas algumas horas de voo. Eu próprio providenciarei a vossa vinda até aqui à ilha. O Tenente Pablo (um ex-piloto da IBERIA agora reformado) mantêm um pequeno hidroavião é faz isso por uma pechincha. Um abraço e ate breve.

Quem vê Goa, não precisa de ver Lisboa. Fuga à província de Goa e a Bombaim

O meu guia da Índia (sou viciado no Lonely Planet) começa assim “Are you realy, realy sure that you want to go to India?” Assustei-me mas não lhe dei muita importância. Uma vez regressado compreendo agora o porquê da questão. Na Índia tudo é diferente. A cor, as pessoas, o calor, os cheiros, as comidas, os monumentos, até o verde acho que é diferente… mais indiano. É um país que tem tanto de maravilhoso como de hostil; tanto de riqueza como de pobreza; tanto de atractivo como de repugnante. Uma coisa tem certamente, um encanto enorme para quem o descobre e está pronto para o embate cultural. O nosso destino era a província de Goa incluindo uma visita à mega cidade de Bombaim. Lá fomos. Lisboa para Zurich, de Zurich para Bombaim e de Bombaim para Goa. Ao cabo de mais de 30 horas aterramos em Goa com 34 graus centígrados, cansados mas cheios de expectativa. Estávamos finalmente na Índia. Não fomos decepcionados pelo lugar. Goa é um lugar incrível, com uma micro cultura indo-portuguesa, onde por vezes é difícil de discernir contornos de cada país e nos faz crer que o passado, longínquo, foi afinal só ontem. Vimos praias de encantar, mercados de mil cores, igrejas de santos conhecidos (S. António, S. Francisco Xavier…), templos hindus carregados de uma espiritualidade distante mas por isso também mais fascinante e conhecemos pessoas de apelidos familiares: o recepcionista Sr. Domingos e o nosso sempre prestável condutor Ribeiro. Á noite provava-mos os petiscos do lugar: Xacuti e Cafreal, Caris e Massalas. Tudo muito picante (por vezes até de mais), mas gostoso e não menos interessante. Já em jeito de regresso, fizemos uma paragem em Bombaim e foi aqui que melhor percebi a questão inicial do meu guia. A Índia mostra-se no seu esplendor. O pior (barracas e milhares de famílias a viver nas ruas, detentoras de uma miséria citadina não humana) mas também o melhor (palácios dignos de Marajás, monumentos emblemáticos e templos místicos). A Índia no seu contraste permanente, e o rubro de uma massa humana impar. Deixamos Bombaim para fazer todo o percurso inverso, primeiro Zurich e finalmente Lisboa, onde esperava-mos aterrar umas quantas horas depois e seguramente de rastos. De regresso ao aeroporto internacional de Bombaim e apenas a algumas horas de deixar este mundo de contrastes que é o sub-continente indiano, olhava pela janela do carro e enquanto via a grande marginal da Cidade de Bombaim e o reflexo brilhante das luzes no mar quente do Índico, percebi que afinal não se tratava do fim mas antes do início de uma grande descoberta que tenciono continuar. (Texto e foto publicados no suplemento Fugas, Público em 4 de Outubro).

Uluru (Ayers rock), Australia. De refugio espiritual à experiência do centro vermelho australiano.

O Parque nacional de Uluru-Kata Tjuta, é terra de gente aborígene, os donos tradicionais do Uluru, os Pitjantjatjara e os Yankunytjatjara ou Anangu já nos tempos modernos. O maior postal ilustrado da Austrália é o famoso Uluru, ou Ayers Rock como todos o conhecem. Uma rocha monumental, única no espaço amplo do deserto vermelho australiano, com 3,6 quilómetros de cumprimento e um total de 348 metros de altura. Acredita-se que dois terços da rocha continua enterrada no solo, esperando que os ventos fortes do deserto nos revelem mais mistério. Toda a gente o conhece pela sua cor avermelhada e por mudar de cor à medida que o sol se põe, revelando um conjunto de vermelhos intensos e escuros antes que se transforme num cinzento que acompanha a noite, já com algumas estrelas a compor o horizonte. O espectáculo repete-se de forma inversa ao amanhecer, apenas com alguns espectadores a menos, mas também por isso mais belo. De fenómeno natural passou rapidamente a fenómeno turístico, atraindo a curiosidade a espectadores de todos os lados do mundo e de todas as idades. Desde os anos cinquenta que move, primeiro curiosos, depois cientistas, agora turistas. Turistas que transformam o acontecimento numa romaria digna de ser observada. Na verdade esta rocha misteriosa oferece muito mais que bonitas cores, pois toda esta área possui um significado cultural muito importante para o povo aborígene local, os Anangu. Para esta comunidade aborígene, Ayers Rock, ou Uluru, como a baptizaram, e também nome do parque natural que rodeia a rocha, é um lugar de culto, um lugar sagrado, ligado às suas tradições ancestrais. Um passeio à volta do Uluru permite a visita a alguns dos pontos mais representativos da cultura deste povo, deixando-nos apreciar a suas cavernas e pinturas rupestres, em tempos utilizados em rituais e cerimónias. Permitirá ainda contemplar Mutijulu, um lago formado por um furo natural e permanente de água, já no lado sul do Uluru. Segundo conta a Mala tjukurpa, a tradidicional lei falada do povo aborígene, resultou de um combate entre duas serpentes ancestrais Kuniya e Liru. O passeio completo pela base do Uluru dura 5 horas e dista cerca de 10 quilómetros. Para os mais aventureiros existe ainda a oportunidade de subir a rocha. Durante anos, subir ao Uluru era considerado o ponto alto de uma viagem ao grande centro vermelho da Austrália. O crescente respeito pelas tradições aborígenes tem porém invertido alguns hábitos. Subir ao Uluru vai contra as crenças espirituais aborígenes e o povo Anangu prefere que isso não aconteça, já que o percurso seguido pelos visitantes é associado às tradições ditadas pela Mala tjukurpa. Tratando-se da sua terra sagrada, o povo Anangu assumem-se como responsáveis por todos aqueles que andam pelo Uluru, e sentem bastante tristeza quando os visitantes se ferem ou morrem na rocha. O povo local chama aos que sobem a rocha os Minga Mob, e riem-se de longe dos que o fazem. Ainda que o número de visitantes ao Uluru tenha crescido muito ao longo dos anos, o número pessoas que sobem a rocha tem decrescido. Mas o encanto do grande centro vermelho australiano ultrapassa esta grande rocha. Um grande espaço vazio, onde tudo é céu e terra vermelha, e a única direcção possível parece ser uma estrada infinita. As distâncias são longas e as viagens carecem de um planeamento eficaz. Uma visita ao centro da Austrália é uma magnífica experiência mas, mais que isso, foi o concretizar de um sonho de criança.